quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

PATRIOTA

.Robin Wilians sobre o RJ e sua escolha como cidade-sede das Olimpíadas de 2016:

Uns anos atrás os Simpsons vieram pro Brasil. Homer foi sequestrado. Bart ficou excitado com a loira de shorts enfiado na bunda que apresentava um programa infantil na TV. O menino pobre que a Lisa ajudou não tinha o que comer mas estava muito feliz desfilando no Carnaval.

Esses dias Robin Willians falou o seguinte: "Claro que o Rio ganhou de Chicago a sede das Olimpíadas. Chicago levou Michele e Oprah e o Rio levou 50 strippers e 500g de cocaína".

Eu ri!

Advogados, autoridades e populares se revoltaram nos dois casos. Eles não se revoltam, não se mobilizam, não processam, não abrem inquéritos, não fazem passeatas quando o sequestro, a loira vagabunda apresentadora de programa infantil, a idiotice do carnaval, o tráfico de drogas e a prostituição acontecem na vida real bem debaixo dos nossos narizes. Eles se revoltam só quando usam isso pra fazer piada.

A piada realmente boa sempre ofende alguns e mata de rir outros por um motivo simples: A boa piada sempre fala de uma verdade. Num País onde aprendemos a mentir, enganar, roubar, tirar vantagem desde cedo a verdade
não diverte. Assusta. O cara engraçado pro brasileiro é sempre aquele que fala bordões manjados, dá cambolhatas no chão em altas trapalhadas, conta piadas velhas, imita o Silvio Santos e outras personalidades ou faz um
trocadilho bobo mostrando ser um ignorante acerca dos assuntos. Esses bobos passivos nos deliciam porque nào incomodam ninguém! Um cara que faz um gracejo com uma verdade inconveniente pro brasileiro é como o alho pro
vampiro. Merece ser execrado.

O brasileiro é uma gorda de 300 quilos que odeia ouvir que é gorda. Ela faz um regime pra parar de ouvir isso? Não! Regime e exercicio dá muito trabalho. É mais fácil ir no shopping, comprar roupa de gente magra, vestir e depois
acomodar a bunda na cadeira do McDonalds. O problema é que nem todo mundo é obrigado a engolir que aquela fabrica de manteiga é Barbie, só porque está com a roupa da Gisele Bundchen. Então é inevitável que mais hora menos hora
alguém da multidão grite: "Volta pro circo!" ou "Minha nossa! É o StayPuff com o maiô da Dayane dos Santos?". Então a gorda chora. Se revolta. Faz manha. Ameaça. Processa. Porque, embora ela tentou se vestir como uma magra,
no fundo a piada a fez lembrar que ela é mais gorda que a conta bancária do Bill Gates. A auto-estima dela tem a profundidade de um pires cheio de água.

Ao invés de dizer que Robin Willians tem dor de corno, prefeito do Rio, vai cuidar primeiro da sua dor de mulher de malandro. Sabe? Mulher de malandro sim, aquela que apanha, apanha, apanha mas engole os dentes e o choro porque
acha que engana a vizinha dizendo: “Eu tenho o melhor marido do mundo”.

Advogados. Vocês já são alvos de piadas por outros motivos. Já que se incomodam com piadas evitem ser alvos de mais algumas delas não processando Robin Willians. Em vez de processo, envie pra ele uma carta de gratidão.
Pense que ele estava num dos melhores programas de TV do mundo e só falou de puta e cocaína.. Ele poderia ter falado por exemplo, que o turista que vier pra Olimpíadas se não for roubado pelo taxista, o será no calçadão. Poderia também ter dito que o governo e a polícia brasileira lucram com aquela cocaína do morro carioca que ele usou na piada. E se ele resolvesse falar algo como: “As crianças do Brasil não assistirão as Olimpíadas porque estarão ocupadas demais se prostituindo”? Ah... E se ele resolvesse lançar mais uma piada do tipo: “Brasileiro é tão estúpido que se preocupa com o que um comediante diz, mas não se preocupa no que o político em quem ele vota faz”?

Enfim... são muitas piadas que poderiam ter sido feitas. Quem é imbecil e se incomoda com piada, não seja injusto e agradeça ao Robin Willians porque ele só fez aquela.
E depois brasileiro insiste em fazer piada dizendo que o Português é que é burro."

segunda-feira, 14 de setembro de 2009

PROBLEMATIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO

EDUCAÇÃO SUPERIORPlano Nacional de Educação
Raimundo N. Nery de Sousa

Apresento uma abordagem crítico- histórico, acerca da idéia central do texto: Diagnóstico, Diretrizes, Objetivos e Metas, Financiamento e Gestão de Educação Superior : Educação Superior . Tendo como objetivos e prioridades, a elevação global do nível de escolaridade transdisciplinar da população, a melhoria da qualidade do ensino em todos os níveis, a redução das desigualdades socioeducacionais no tocante ao acesso e a permanência, com sucesso, na educação pública e democratização da gestão do ensino público nos estabelecimentos oficiais. Destaco os aspectos mais importantes, ressaltados pelo Plano Nacional de Educação Superior, tais: Diagnótico como estratégia de diversificação, há que se pensar na expansão do pós-secundário, na formação de qualificação em áreas técnicas e profissionais. A própria modulação do ensino universitário, com diploma intermediário, como foi estabelecido na França, permitiria uma expansão substancial do atendimento nas atuais instituições de educação superior, sem custo adicional excessivo.Diretrizes como sistema de educação superior deve contar com um conjunto diversificado de instituições que atendam a diferentes demandas e funções. Seu núcleo estratégico há de ser composto pelas universidades, que exercem as funções que lhe foram atribuídas pela Constituição: ensino, pesquisa e extensão, tendo como missão contribuir para o desenvolvimento do País e a redução dos desequilíbrios regionais, nos marcos de um projeto nacional, estas instituições devem ter estreita articulação com as instituições de ciência e tecnologia. A diretriz básica para o bom desempenho desse segmento é a autonomia universitária, exercida nas dimensões previstas na Carta Magna: didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial, promover a renovação do ensino universitário brasileiro, é preciso, reformular o rígido sistema atual de controles burocráticos. A efetiva autonomia das universidades, a ampliação da margem de liberdade das instituições não-universitárias e a permanente avaliação dos currículos constituem medidas tão necessárias quanto urgentes, para que a educação superior possa enfrentar as rápidas transformações por que passa a sociedade brasileira e constituir um pólo formulador de caminhos para o desenvolvimento humano em nosso país. Objetivos e Metas, Prover, até o final da década, a oferta de educação superior para, pelo menos, 30% da faixa etária de 18 a 24 anos. . Estabelecer uma política de expansão que diminua as desigualdades de oferta existentes entre as diferentes regiões do País. Estabelecer um amplo sistema interativo de educação a distância, utilizando-o, inclusive, para ampliar as possibilidades de atendimento nos cursos presenciais, regulares ou de educação continuada. . Assegurar efetiva autonomia didática, científica, administrativa e de gestão financeira para as universidades públicas. Institucionalizar um amplo e diversificado sistema de avaliação interna e externa que englobe os setores público e privado, e promova a melhoria da qualidade do ensino, da pesquisa, da extensão e da gestão acadêmica.Instituir programas de fomento para que as instituições de educação superior constituam sistemas próprios e sempre que possível nacionalmente articulados, de avaliação institucional e de cursos, capazes de possibilitar a elevação dos padrões de qualidade do ensino, de extensão e no caso das universidades, também de pesquisa. Estender, com base no sistema de avaliação, diferentes prerrogativas de autonomia às instituições não-universitárias públicas e privadas.Estabelecer sistema de recredenciamento periódico das instituições e reconhecimento periódicos dos cursos superiores, apoiado no sistema nacional de avaliação. Diversificar o sistema superior de ensino, favorecendo e valorizando estabelecimentos não-universitários que ofereçam ensino de qualidade e que atendam clientelas com demandas específicas de formação: tecnológica, profissional liberal, em novas profissões, para exercício do magistério ou de formação geral. Estabelecer, em nível nacional, diretrizes curriculares que assegurem a necessária flexibilidade e diversidade nos programas de estudos oferecidos pelas diferentes instituições de educação superior, de forma a melhor atender às necessidades diferenciais de suas clientelas e às peculiaridades das regiões nas quais se inserem. Incluir nas diretrizes curriculares dos cursos de formação de docentes temas relacionados às problemáticas tratadas nos temas transversais, especialmente no que se refere à abordagem tais como: gênero, educação sexual, ética (justiça, diálogo, respeito mútuo, solidariedade e tolerância), pluralidade cultural, meio ambiente, saúde e temas locais. Diversificar a oferta de ensino, incentivando a criação de cursos noturnos com propostas inovadoras, de cursos seqüenciais e de cursos modulares, com a certificação, permitindo maior flexibilidade na formação e ampliação da oferta de ensino. A partir de padrões mínimos fixados pelo Poder Público, exigir melhoria progressiva da infra-estrutura de laboratórios, equipamentos e bibliotecas, como condição para o recredenciamento das instituições de educação superior e renovação do reconhecimento de cursoEstimular a consolidação e o desenvolvimento da pós-graduação e da pesquisa das universidades, dobrando, em dez anos, o número de pesquisadores qualificada Promover o aumento anual do número de mestres e de doutores formados no sistema nacional de pós-graduação em, pelo menos, 5%. Promover levantamentos periódicos do êxodo de pesquisadores brasileiros formados, para outros países, investigar suas causas, desenvolver ações imediatas no sentido de impedir que o êxodo continue e planejar estratégias de atração desses pesquisadores, bem como de talentos provenientes de outros países. Incentivar a generalização da prática da pesquisa como elemento integrante e modernizador dos processos de ensino-aprendizagem em toda a educação superior, inclusive com a participação de alunos no desenvolvimento da pesquisa Criar políticas que facilitem às minorias, vítimas de discriminação, o acesso à educação superior, através de programas de compensação de deficiências de sua formação escolar anterior, permitindo-lhes, desta forma, competir em igualdade de condições nos processos de seleção e admissão a esse nível de ensino. Implantar planos de capacitação dos servidores técnico-administrativos das instituições públicas de educação superior, sendo de competência da IES definir a forma de utilização dos recursos previstos para esta finalidade Garantir, nas instituições de educação superior, a oferta de cursos de extensão, para atender as necessidades da educação continuada de adultos, com ou sem formação superior, na perspectiva de integrar o necessário esforço nacional de resgate da dívida social e educacional. Garantir a criação de conselhos com a participação da comunidade e de entidades da sociedade civil organizada, para acompanhamento e controle social das atividades universitárias, com o objetivo de assegurar o retorno à sociedade dos resultados das pesquisas, do ensino e da extensão.Implantar o Programa de Desenvolvimento da Extensão Universitária em todas as Instituições Federais de Ensino Superior no quadriênio 2001-2004 e assegurar que, no mínimo, 10% do total de créditos exigidos para a graduação no ensino superior no País será reservado para a atuação dos alunos em ações extensionistas. Financiamento e Gestão da Educação Superior, Estabelecer um sistema de financiamento para o setor público, que considere, na distribuição de recursos para cada instituição, além da pesquisa, o número de alunos atendidos, resguardada a qualidade dessa oferta, Oferecer apoio e incentivo governamental para as instituições comunitárias sem fins lucrativos, preferencialmente aquelas situadas em localidades não atendidas pelo Poder Público, levando em consideração a avaliação do custo e a qualidade do ensino oferecido. Estimular, com recursos públicos federais e estaduais, as instituições de educação superior a constituírem programas especiais de titulação e capacitação de docentes, desenvolvendo e consolidando a pós-graduação no País. Utilizar parte dos recursos destinados à ciência e tecnologia, para consolidar o desenvolvimento da pós-graduação e da pesquisa. Incluir, nas informações coletadas anualmente através do questionário anexo ao Exame Nacional de Cursos, questões relevantes para a formulação de políticas de gênero, tais como trancamento de matrícula ou abandono temporário dos cursos superiores motivados por gravidez e/ou exercício de funções domésticas relacionadas à guarda e educação dos filhos. Estimular a inclusão de representantes da sociedade civil organizada nos Conselhos Universitários. Estimular as instituições de ensino superior a identificar, na educação básica, estudantes com altas habilidades intelectuais, nos estratos de renda mais baixa, com vistas a oferecer bolsas de estudo e apoio ao prosseguimento dos estudos. Estimular a adoção, pelas instituições públicas, de programas de assistência estudantil, tais como bolsa-trabalho ou outros destinados a apoiar os estudantes carentes que demonstrem bom desempenho acadêmico.Observar, no que diz respeito à educação superior, as metas estabelecidas nos capítulos referentes à educação a distância, formação de professores, educação indígena, educação especial e educação de jovens e adultos. Exponho a minha análise crítico-histórico-, acerca da idéia central do texto: Educação Superior na pós-modernidade neoliberal transnacional, sob as mudanças do modo de produção capitalista, do enfraquecimento da manifestação política em defesa de direitos em face da autoridade e de um novo sujeito sociopolítico, difusão da ética da desigualdade, da cultura da violência e da insegurança frenteo Plano Nacional de Educação. Compartilho a visão holística emancipadora, acerca da discussão, da exposição, da deliberação, do reconhecimento em público, das questões e problematizações da Educação Superior, socioeconômicos, socioambientais,socioeducativas que exige tomada de decisão consciente participativa democrática, discernimento ético, disponibilidade ao diálogo construtivo, apostando no consenso e no equilíbrio da lógica da demanda e da lógica do necessário, frente a mentalidade fatalista do conformismo reacionário do pós- modernismo.


SOUSA,Raimundo Nery : Educação Superior
.Taguatinga/DF: FACETED, 2007. 09 páginas.

EXCLUSÃO E CIDADANIA

Andréa Cristina Marques de Araújo
e-mail:andrea@nautilus.com.br
RESUMO : Este trabalho tem como objetivo refletir sobre o papel da avaliação do desempenho escolar e sobretudo da educação, tendo consciência de que para aceitar o grande desafio do desenvolvimento, não é possível obter êxitos sem o alicerce de um povo que se educa para a cidadania.
PALAVRAS CHAVES: Educação, avaliação escolar, conhecimento, aprendizagem, prática de liberdade e cidadania.
1.INTRODUÇÃO
O sistema educacional brasileiro apresenta baixos índices de conclusão do ensino básico, com altos índices de evasão e repetição, e acentuadas disparidades educacionais entre as várias regiões. Essa baixa qualidade da educação, principalmente a pública, é ligada a uma ineficiente administração e gerenciamento educacional, uso insuficiente e impróprio dos recursos financeiros e principalmente à estratégias de ensino e avaliação do desempenho escolar inadequadas.
Novas políticas e estratégias educacionais são, portanto, exigidas para reverter tal situação, mas faltam aos seus formuladores informações precisas, sistemáticas e padronizadas sobre o desempenho do sistema educacional. Não existe, na verdade, uma cultura de avaliação no país nem um envolvimento efetivo da sociedade no aperfeiçoamento do sistema educacional.
Neste sentido, pretendemos neste trabalho iniciar reflexões sobre o papel da avaliação do desempenho escolar como ferramenta de exclusão social, consequência da prática pedagógica desvirtuada adotada pelo nosso sistema educacional.
2.EXCLUSÃO SOCIAL
Segundo MAMMARELLA (2000, p.52) exclusão social identifica "os grupos e indivíduos que vêm sistematicamente perdendo seus direitos de cidadania, que se encontram carentes dos meios de vida e fontes de bem-estar social, com baixíssimos rendimentos, falta de moradia, de acesso à educação e saúde, e que não encontram meios de se inserirem no mercado de trabalho".
Dois aspectos são considerados como a base da cidadania: a possibilidade de acesso de toda a população a um determinado padrão de qualidade de vida comum de um referido grupo social e às possibilidades objetivas da população decidir sobre os destinos e os rumos da sociedade em que vivem.
Essas condições mínimas para as pessoas conseguirem uma qualidade de vida aceitável dentro dos parâmetros de cidadania vão além da manutenção da vida orgânica, dada pela satisfação das necessidades alimentares e nutricionais elementares, estando também intimamente ligada à obtenção de renda e de educação com qualidade, pois sem esses princípios, a inserção na sociedade e no mundo do trabalho, torna-se precária.
A falta de participação política torna os indivíduos submissos a uma dimensão do destino enquanto condição inexorável, que despolitiza as relações sociais e remete a solução dos problemas a uma esfera intransponível, sobre a qual os indivíduos perdem a capacidade de controle, situando-se fora do domínio da história. Tanto a aceitação do destino como fatalidade como o não acesso, pela falta de renda, aos bens materiais e simbólicos que a sociedade pode oferecer, são formas expressivas de manifestação da exclusão social.
Na sociedade atual, o Estado Moderno é responsável pela função redistributiva, pois ele deve assegurar as políticas globais e articuladas como moderadoras das desigualdades sociais e econômicas e de responder ao aumento das demandas no contexto de uma maior divisão do trabalho e expansão do mercado, na sociedade de massas.
A educação é portanto, dever do Estado e direito do cidadão, pois sendo concebida como valor social, reflete-se como instrumento da sociedade para efetivar o processo de formação e construção da cidadania.
Entretanto, a evolução das idéias relativas à educação, e principalmente à avaliação, consolidam-se em torno dos valores econômicos, como conseqüência do rápido desenvolvimento tecnológico e da nova ordem globalizada. A Educação passa a ser direcionada para o novo estilo de desenvolvimento, reproduzindo as relações de poder e subordinação, presentes neste modelo.
Para acabar com a exclusão, portanto, é necessário que se restabeleçam as bases de uma economia e uma política que permita que as relações humanas se dêem a partir dos princípios de equidade, justiça social e participação cidadã nas diferentes instâncias de decisões, e a educação cidadã será a principal ferramenta para construção dessa sociedade.
3. APRENDER E ENSINAR: O QUE SIGNIFICAM?
"Ensinar não é transmitir dogmaticamente conhecimentos, mas dirigir e incentivar, com habilidade e método, a atividade espontânea e criadora do educando. Nessas condições, o ensino compreende todas as operações e processos que favorecem e estimulam o curso vivo e dinâmico da aprendizagem" (SANTOS, 1961).
Segundo MASETTO (1985) existem alguns princípios importantes a serem considerados por todos os que se preocupam com a aprendizagem do aluno, que são:

1. A aprendizagem deve envolver o aluno, ter um significado com o seu contexto, para que realmente aconteça;
2. A aprendizagem é pessoal, pois envolve mudanças individuais;
3. Objetivos reais devem ser estabelecidos para que a aprendizagem possa ser significativa para os alunos;
4. Como a aprendizagem se faz em um processo contínuo, ela precisa ser acompanhada de feedback, visando fornecer os dados para eventuais correções;
5. Como a aprendizagem envolve todos os elementos do sistema, o bom relacionamento interpessoal é fundamental.

No entanto, na realidade das escolas, quando procuramos decodificar o significado de ensinar, as idéias definem o professor como agente principal e responsável pelo ensino, sendo as atividades centralizadas em suas qualidades e habilidades. Aprender também relaciona um único agente principal e responsável, o aprendiz (aluno), estando as atividades centradas em suas capacidades, possibilidades, oportunidades e condições para que aprenda.
Diante desse contexto, percebemos que o perfil do educador não mudou muito desde a época do "magister dix". Na verdade, poucos são os que fogem ao conceito de educação bancária, ou seja, o saber não passa de uma doação dos que se julgam sábios aos que julgam que nada sabem, cabendo então aos sábios, dar, entregar, transmitir o seu grande saber. Portanto, a educação se torna um simples ato de depositar, onde os educandos são os depositários e o educador o depositante.
Infelizmente, a didática continua presa ao repasse mecânico, à aula expositiva, para ser copiada e decorada. Depois, é restituída na prova e, finalmente, na "cola" é copiada com a máxima perfeição. Portanto, aula, prova e cola são sinônimos, no espírito da coisa.
Segundo FREIRE (1987), "ninguém educa ninguém, ninguém educa a si mesmo, os homens se educam entre si, mediatizados pelo mundo", ou seja, a educação problematizadora e como prática de liberdade, exige de seus personagens uma nova concepção de comportamento. Ambos são educadores e educandos, aprendendo e ensinando em conjunto, mediatizados pelo mundo.
Aprender é necessário como insumo do aprender a aprender. Aprender é apenas meio. A qualidade da formação básica é o fator modernizante mais eficaz da sociedade e da economia.
Muito embora a valorização da educação no sistema produtivo moderno não mude a essência do capitalismo, introduz, na sombra de vantagens para o capital, oportunidades pertinentes para o trabalhador, que incluem parâmetros menos drásticos de exploração da mão de obra, sem falar no suporte para a cidadania do trabalhador.
A educação é componente substancial de qualquer política de desenvolvimento, não só como bem em si e como mais eficaz instrumentação de cidadania, mas igualmente como primeiro investimento tecnológico.
Seguindo essa linha, o educador passa a ser o educador problematizador, que desafia os educandos que são agora investigadores críticos, permeados por constantes diálogos, pois a educação como prática de liberdade deve negar o conceito de isolamento e abstração do ser humano, assim como tornar o mundo uma presença constante em seu diálogo.
4. A AVALIAÇÃO E SUAS DIFICULDADES:
Segundo SOUSA[1] o ato de avaliar deve estar fundamentado nos seguintes pontos:

1. Continuidade: a avaliação deve estar presente durante todo o processo educacional, e não somente em períodos específicos;
2. Compatibilidade com os objetivos propostos: a avaliação deve estar em conformidade com os objetivos definidos como norteadores do processo educacional para que venha realmente cumprir a função de diagnóstico;
3. Amplitude: a avaliação deve estar presente em todas as perspectivas do processo educacional, avaliando assim todos os comportamentos do domínio (cognitivo, afetivo e psicomotor);
4. Diversidade de formas: para avaliar devemos utilizar as várias técnicas possíveis visando também avaliar todos os comportamento do domínio.

Com base nestes pressupostos, podemos afirmar que a realidade do processo avaliativo é completamente oposta a filosofia da educação problematizadora necessária em nossas escolas.
Avaliar é um ato extremamente complexo, cuja responsabilidade não é competência única do professor, mas sim de todos os elementos integrantes do processo educacional (alunos, pais e administradores). Essa centralização no professor apenas consolida o modelo econômico mundial e suas relações de poder, plenamente exercida em nossas escolas.
O sistema econômico atual não precisa educar todos os homens, pois trata-se de um sistema excludente, que não está preocupado com a totalidade, vendo a educação, e consequentemente suas formas de avaliação de desempenho, como meio para agilizar o desenvolvimento econômico, e não como compromisso ético com as pessoas.
Assim sendo, a dinâmica de estrutura das sociedades de classes dominantes utiliza a educação como um instrumento de dominação, uma vez que essas sociedades são governadas por grupos dominantes e a cultura é postulada conforme o interesse desses grupos, e sobretudo enfatiza essa influência na escola, por sua condição de produção de saber por excelência.
Neste contexto, a escola, a didática, o currículo escolar e sobretudo a avaliação são reflexos dessa estrutura complexa de relação de poder. A realidade então passa a ser o exercício da coação, da escola como obrigação, do professor como autoridade máxima e incontestável, onde estar na sala de aula é um desprazer.
O fracasso escolar é visto então, como uma questão individual, próprio de cada aluno e seus problemas. No entanto, não podemos responsabilizar somente à ele, nem tão pouco ao professor, que muitas vezes não é preparado para esta outra função – a de avaliador. Precisamos sobretudo, rever os paradigmas da avaliação do desempenho escolar, bem como da educação como um todo, para que a aprendizagem do aluno possa ir para além da sala de aula.
O modelo classificatório de avaliação, onde os alunos são considerados aprovados ou não aprovados, oficializa a concepção de sociedade excludente adotada pela escola. O resultado da avaliação é considerado portanto, como uma sentença, um veredicto oficial da capacidade daquele aluno que fica registrado e é perpetuado para o resto de sua vida. O mais triste porém é que a publicação dos resultados não revela o que o aluno conseguiu aprender, é um resultado fictício, definindo um perfil, pela cristalização desse falso resultado.
Rever a concepção de avaliação é rever sobretudo as concepções de conhecimento, de ensino, de educação e de escola. Impõe pensar em um novo projeto pedagógico apoiado em princípios e valores comprometidos com a criação do cidadão. Somente após essa consciente revolução é que a avaliação será vista como função diagnóstica e transformadora da realidade.
5. CONCLUSÃO
A concepção de avaliação é comumente relacionada a idéia de mensuração de mudanças do comportamento humano. Essa abordagem possibilita fortalecer a ênfase no aspecto quantitativo, gerando consequentemente uma medida.
No entanto, a avaliação vai além da medida. Abrange também os aspectos qualitativos, que são muito mais difíceis de serem considerados tendo em vista que envolvem objetivos subjetivos, posturas, políticas e valores.
As práticas de avaliação são definidas pelas concepções de mundo dos profissionais envolvidos no processo, ou seja a definição dos instrumentos de avaliação são determinadas pelas idéias e modelos da realidade do sistema em que o profissional atua.
Na realidade, corresponde a um meio de controle feito através de atribuição de pontos ou notas, para que os alunos realizem as tarefas propostas e tenham o comportamento esperado. A nota portanto passa a representar um objetivo diferente da representação do rendimento do aluno.
O compromisso do aluno então, não é com o conhecimento, mas sim com o sucesso nesses instrumentos estipulados. A preocupação está em obter os pontos determinados para cada atividade escolhida dentro do processo avaliativo.
Além disso, podemos perceber que a escola se tornou uma instituição formadora obrigatória, principalmente no ocidente. A idéia de que toda criança tem que ir para a escola, retira do indivíduo a liberdade de escolha. O direito do cidadão é quanto à educação, mas perguntamos por que a educação está restrita somente à escola?
A didática ensino/aprendizagem como opção única da escola, é algo feudal, tipicamente de cima para baixo, solidificando o conceito de "educação bancária", onde de um lado como único sujeito (ensinar) e de outro como único objeto (aprender).
Aprender, como papel exclusivo do educando significa cristalizar a atitude de submissão e obediência. O educador, o "verdadeiro" educador, não precisa dessa submissão. Enquanto não se perceber que didática deve ser estratégia emancipatória, educação representará o passado.
Por outra, a educação, modernamente vista, não significa apenas bem em si e instrumentação fundamental da cidadania, mas condição de produtividade econômica. Com certeza, o sistema produtivo moderno valoriza à formação básica porque garante condições mais favoráveis de lucratividade. Todavia, isto serve de gancho estratégico para valorizar educação como investimento possivelmente mais relevante no desenvolvimento.
Além do mais, é importante ressaltar que educação só tem a perder se ficar isolada na dimensão política da emancipação, porque é só metade da coisa participar, trabalhar/produzir é um todo só.
Fundamental é reconhecer que, hoje, posições rígidas apenas fossilizam o conhecimento, que é o fator motor principal da nova sociedade globalizada. O centro da inteligência é aprender a aprender, saber pensar, ser crítico e analítico. Esse deve ser o centro da educação, e é dentro dessa perspectiva que a avaliação do desempenho escolar deve ser concebida.
6. BIBliOGRAFIA

1. FALCÃO FILHO, José Leão M. Avaliação, classificação e freqüência na nova LDB. Texto apresentado no II Encontro Mineiro de Educação, SINEP-MG, 11 a 14 de outubro de 1997. http://www.eduline.com.br/amae/ldb.htm (15/09/00).
2. FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 17 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.
3. MAMMARELLA, Rosetta. Exlusão Social. Revista Mundo jovem. Abril/2000. p.52-3.
4. MASETTO, Marcos T. O professor universitário em aula. Mg. Ed Associados. 4ª ed.1985.
5. PERRENOUD, Philippe. Não mexam na minha avaliação! Para uma abordagem sistêmica da mudança pedagógica. In: ESTRELA, Albano & NÓVOA, Antônio. Avaliações em educação. Lisboa: Educa, 1992. p.155-73.
6. _____________________. Ofício de aluno e sentido do trabalho escolar. Porto: porto editora. 1995. p.135-146.
7. SANTOS, Theobaldo Miranda. Noções de prática de ensino. 6 ed. SP: Companhia Editora Nacional, 1961.
8. [1] SOUZA, Sandra Zákia Lean de. Revisando a Teoria da Avaliação da Aprendizagem. In: SOUZA, Sandra Zákia Lean de. (org). Avaliação do rendimento escolar. CAMPINAS: Papirus, 1991.
9. [2] _____________________.A prática avaliativa na escola de 1º grau. In: SOUZA, Sandra Zákia Lean de. (org). Avaliação do rendimento escolar. CAMPINAS: Papirus, 1991 p.83-108.
10. VEIGA, Ilma Passos de Alencastro. Repensando a didática. 11 ed. Campinas SP: Papirus, 1996.

EXCLUSÃO PERVERSA

Situação educacional do Brasil ainda é "perversa", diz IBGE

O número de não-alfabetizados brasileiros é quatro vezes maior que o de brasileiros com curso superior completo. A conclusão é do Censo 2000 sobre educação, divulgado no início do mês pelo Instituo Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que aponta a existência de 24 milhões de analfabetos no País, ou 84% da população acima dos 5 anos.

Segundo o instituto, 84% da população acima dos 5 anos são alfabetizados. "16% é um percentual extremamente alto, o que equivale dizer que aproximadamente 24 milhões de brasileiros não possuem uma das condições básicas para serem cidadãos participantes de uma sociedade letrada. Esta parece ser uma forma de exclusão social, cuja base é a exclusão escolar", afirma o texto do IBGE.

Fonte: Agência Brasil

EXCLUSÃO CONTINUADA

A progressão continuada no estado de São Paulo: considerações a partir da perspectiva de educadores

The continued progression in the state of São Paulo: considerations based on the educators point of view

La progresión continuada en el estado de São Paulo: consideraciones a partir de la perspectiva de educadores


Lygia de Sousa Viégas*; Marilene Proença Rebello de Souza**
Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo
Endereço para correspondência


RESUMO
Este estudo analisou a Progressão Continuada na perspectiva de educadores do ensino fundamental. O método utilizado foi a realização de redações e grupos de reflexão visando conhecer como os educadores compreendem a política educacional, como a progressão acontece na sala de aula e quais dificuldades são enfrentadas na sua implantação. O consenso entre docentes e discurso oficial reside na necessidade de enfrentar os altos índices de reprovação e evasão existentes na escola pública. A dissensão entre professores e o projeto governamental encontra-se principalmente na maneira como tem sido implementado pois há pouca participação dos educadores no processo. Há uma concepção negativa em relação à capacidade de aprendizagem do aluno das camadas populares tanto no discurso oficial quanto na visão docente. Considera-se que a distância entre a intenção da proposta governamental e a realidade de sua implementação pode comprometer a democratização e a qualidade de ensino.
Palavras-chave: Ensino básico, Política pública, Progressão Continuada.
ABSTRACT
This study analyzed the Continued Progression in the perspective of the educators in the elementary school. The method used was the production of texts and organization in groups of reflexion aiming to know how the educators understand educational politics, how the progression took place in the classes and which are the dificulties faced in its implantation. The consence between teachers and the official speech is in the necessity of facing the high index of failling and school evasion in the Public system. The divergence between teachers and the governamental policy is,specially, in the manner of how it has been implemented, because there is not enough participation of the teachers in the process. There is a negative conception about the learning skill of the students coming from families with low economic condition as much in the official speech as in the teachers‘ point of view. The distance between the intention of the governamental policy and the reality of its implementation is considered to endanger the democratization and the teaching‘s quality.
Keywords: Elementary school, Public policy, Continued Progression.
RESUMEN
Este estudio analizou la Progresión Continuada en la perspectiva de educadores de la enseñanza fundamental. El método empleado consistió en la realización de redacciones y grupos de reflexión objetivando conocer como los educadores comprenden la política educacional, como la progresión acontece en la sala de aula y cuales dificultades son enfrentadas en la su implantación. El consenso entre docentes y discurso oficial reside en la necesidad de enfrentamiento de los altos índices de reprobación y evasión existentes en la escuela pública. La disensión entre profesores y el proyecto del gobierno se encuentra principalmente en la manera como viene siendo implementado, con poca participación de los educadores en el proceso. Hay una concepción negativa en relación a la capacidad de aprendizaje del alumnado de las camadas populares, tanto en el discurso oficial como en la visión docente. Desde nuestro punto de vista, la distancia entre la intención de la propuesta del gobierno y la realidad de su implementación coloca en riesgo la finalidad de esta política pública educacional relativa a la democratización y a la mejoría de la calidad de la enseñanza.
Palabras clave: Enseñanza básica, Política pública; Progresión Continuada.


Introdução
O tema do acesso/permanência/qualidade do ensino brasileiro tem sido abordado criticamente por diversos autores da Educação. Especialmente a partir da década de 1980, destacaram-se Beisiegel (1981), Saviani (1986) e Ferraro (1999). Ferrari (1985), ao analisar cem anos de dados educacionais brasileiros (1885-1985), chamou a atenção para o fato de que aproximadamente 2/3 das crianças reprovavam ou evadiam da escola. Para ele, em todos os casos, trata-se de exclusão escolar (desdobrada em exclusão da escola e na escola). Isso significa que, se por um lado, a falta de vagas nas escolas brasileiras não é problema superado, por outro, estar no interior da escola não pode ser entendido como inclusão, uma vez que, além de freqüentá-la, o aluno deve beneficiar-se da escolarização, aprender.
No início dos anos 90, índices oficiais denunciavam que a ampliação do acesso e permanência nas escolas paulistas ocorreu sem que alunos ultrapassassem as séries iniciais, cuja principal causa residia nas retenções. Esta realidade refletia-se, dentre outros âmbitos, na defasagem série/idade, que chegou a atingir 30% dos alunos de 1a a 4a séries, e 40% entre alunos de 5a a 8a séries (São Paulo, 1996), incidindo principalmente sobre alunos provenientes de regiões mais pobres ou periféricas.
A defasagem série/idade foi caracterizada como estágio anterior à outra realidade alarmante: a evasão (exclusão da escola). De fato, estatísticas nacionais apontam que a evasão não ocorre precocemente, mas é, ao contrário, fruto de anos de tentativas frustradas de escolarização – o aluno ‘abandona’ a escola, em média, após cinco anos; os poucos que concluem os oito anos do ensino fundamental, fazem-no após uma média de 11,2 anos de escolarização (Brasil, 1996). A evasão seria, portanto, produto de um processo de expulsão (Ribeiro, 1991). Por esses motivos, o processo de exclusão na escola tem aparecido nas discussões de educadores, pais e pesquisadores bem como se constituído em um dos principais desafios de gestores da educação pública brasileira.
No campo das políticas públicas, o governo do estado de São Paulo implementou, nas últimas décadas, projetos cujo mote é a diminuição da repetência, da defasagem série/idade e da evasão. Dentre os projetos, destaca-se a Progressão Continuada, implantada em todas as escolas públicas desse estado em 1998, reorganizando o ensino fundamental em dois ciclos de quatro anos cada (Ciclo I: 1a à 4a; Ciclo II: 5a à 8a), nos quais os alunos não podem ser retidos, à exceção dos faltosos.
Caminhando na construção da Progressão Continuada
Ao analisar a Progressão Continuada, é preciso entender sua elaboração e implantação como resultado de um conjunto de ações do Poder Público na direção de contornar os índices de reprovação e evasão no sistema de ensino paulista. O enfrentamento da repetência pode ser observado em discursos do início do século XX no Brasil. Ao menos, desde a Primeira República, há a defesa da então chamada ‘promoção automática’ (Sampaio Dória, 1918), proposta que é retomada na década de 50, sobretudo por Almeida Júnior (1957), Juscelino Kubitschek (1957) e Dante Moreira Leite (1959/1999). Afora a defesa no plano das idéias, houve a primeira implantação efetiva no estado de São Paulo em 1968, com a Reforma do Ensino Primário (SÃO PAULO, 1969).
Em 1984, a instituição do Ciclo Básico foi um Importante passo nessa direção, ou seja, no contexto de retomada do processo democrático1. Implantada em todas as escolas da rede estadual paulista, por meio de um decreto-lei, tal política apresentava-se como alternativa contra os altos índices de repetência localizados na passagem para a 2ª série. Assim, as duas séries iniciais passaram a compor um ciclo a ser concluído em dois anos. Seus idealizadores acreditavam que a ruptura da lógica das seriações viabilizaria a continuidade do processo educativo de maneira “mais flexível”, garantindo aos alunos “mais tempo para aprender”. Nesse momento, fazia-se presente o argumento da relevância social da não-reprovação, recuperando o caráter político da educação ao enfatizar a escolarização enquanto direito.
O documento deixa transparecer que o impasse em torno da não-reprovação não havia sido superado por educadores e gestores, na direção de um consenso, o que se nota no seguinte trecho:

“Tem-se pensado, erroneamente, que o Ciclo Básico implica a promoção automática como um recurso para se evitar que os alunos se sintam fracassados e com isso, a auto-imagem negativa dos repetentes seja diminuída, ou mesmo que a intenção seja a de manipular índices de aprovação na rede, transferindo-se para as séries subseqüentes esses problemas. Não se trata disso. Trata-se de definitivamente deixar de insistir no erro histórico de punir o aluno através de reprovação, por falhas que na verdade são da própria rede. Por isso, é preciso assumir a alfabetização e não apenas ficar à caça dos culpados pela repetência. Nesse sentido, tratase de viabilizar condições para que, respeitadas as diferenças individuais e consideradas as diferenças sociais e culturais, seja possível levar o conjunto dos alunos a atingir um patamar comum que implique o domínio efetivo de conhecimentos básicos que devem estar ao alcance de todos e não apenas de uns poucos” (1987, p. 36, grifo no original).

Após o primeiro ano de Ciclo Básico, gestores da política educacional paulista divulgaram um documento de avaliação das repercussões deste projeto nas escolas, no qual há avaliações positivas bem como críticas à proposta (Espósito, 1985). Quanto às críticas, professores questionaram a pouca participação na elaboração e implementação da proposta, culminando na inexistência de preparação que subsidiasse o trabalho nesse novo regime. Especial destaque incidiu sobre os critérios de promoção, considerados complexos, sendo necessária ampla discussão e formação docente a respeito. Apesar dessas críticas, o documento avalia, ao final que “o saldo da primeira etapa da implantação do Ciclo Básico é considerado positivo” (p. 22).
Em que dimensão o Ciclo Básico interferiu na questão da exclusão na escola que atingia alunos das séries iniciais? De maneira geral, os dados educacionais ilustram uma drástica redução dos índices de reprovação na passagem para a segunda série do ensino fundamental. Mas também revela que o estrangulamento escolar apenas deslocou-se na passagem do Ciclo Básico para a 3ª série.
A intenção da Secretaria, ao implantar o Ciclo Básico, era apenas dar “início à reorganização efetiva do ensino de 1o grau que deverá se estender às outras séries revendo os programas, redefinindo os conteúdos e metodologias, modificando o processo de avaliação, investindo na organização da escola” (p. 10). No entanto, os ciclos restringiram-se aos dois anos iniciais do ensino fundamental até 1998, quando foram estendidos aos demais anos desse nível de ensino.
A Progressão Continuada nos documentos oficiais de implantação
A instituição do Regime de Progressão Continuada ocorreu na rede estadual de ensino por meio da Resolução SE, no.4, de 15 de janeiro de 1998, a qual previa a organização do ensino fundamental em dois ciclos de quatro anos, a não retenção no interior do ciclo bem como a criação de providências que evitassem a evasão escolar na defesa dos direitos da criança e do adolescente.
Sustentando tal implantação, há um parecer do Conselho Estadual de Educação (1997a) cujo argumento central focaliza os altos índices de reprovação e defasagem série/idade, apontados como incompatíveis com a democratização do ensino. Segundo afirma o parecer,

“É preciso varrer da nossa realidade a ‘pedagogia da repetência’ e da exclusão e instaurar definitivamente uma pedagogia da promoção humana e da inclusão. O conceito de reprovação deve ser substituído pelo conceito de aprendizagem progressiva e contínua” (p. 153).

Baseando-se no artigo 32 da LDB (1996), a Progressão Continuada contribuiria para a resolução de problemas educacionais históricos: “a viabilização da universalização da educação básica, a garantia de acesso e permanência das crianças em idade própria na escola, a regularização do fluxo dos alunos no que se refere à relação idade/série e a melhoria geral da qualidade do ensino” (p. 150). Como argumento, parte-se das perspectivas educacional, psicológica e econômica, que não raro se confundem, sendo esta última a mais acentuada:

“Uma mudança dessa natureza deve trazer, sem dúvida, benefícios tanto do ponto de vista pedagógico como econômico. Por um lado, o sistema escolar deixará de contribuir para o rebaixamento da auto-estima de elevado contingente de alunos reprovados. Reprovações muitas vezes reincidentes na mesma criança ou jovem com graves conseqüências para a formação da pessoa, do trabalhador e do cidadão. Por outro lado, a eliminação da retenção escolar e decorrente redução da evasão deve representar uma sensível otimização dos recursos para um maior e melhor atendimento de toda a população. A repetência constitui um pernicioso ‘ralo’ por onde são desperdiçados preciosos recursos financeiros da educação. O custo correspondente a um ano de escolaridade de um aluno reprovado é simplesmente um dinheiro perdido. Desperdício financeiro que, sem dúvida, afeta os investimentos em educação, seja na base física (prédios, salas de aula, equipamentos), seja, principalmente, nos salários dos trabalhadores do ensino. Sem falar do custo material e psicológico por parte do próprio aluno e de sua família” (p. 151-2, itálicos inserido).

Segundo o Conselho Estadual de Educação, esta política fundamenta-se em dois grandes eixos: flexibilidade e avaliação.
A flexibilidade estaria presente “nas amplas e ilimitadas possibilidades de organização da educação básica”, assim como nos “mecanismos de classificação e reclassificação de alunos, até mesmo ‘independentemente de escolarização anterior’”. Há uma mudança radical na concepção de educação pois, a partir desse momento, a referência básica de classificação do aluno passa a ser etária:

“É óbvio que outros mecanismos de avaliação do nível de competência efetiva do aluno e, se necessário, de atendimento especial para adaptação ou recuperação devem estar associados à referência básica da faixa etária. O que importa realmente é que a conclusão do ensino fundamental se torne uma regra para todos os jovens aos 14 ou 15 anos de idade” (p. 153, itálicos inseridos).

Maior ênfase foi dada ao segundo eixo – a avaliação. Segundo declara, ela era, até então, “procedimento decisório quanto à aprovação ou reprovação”, funcionando de forma “punitiva e excludente”. Após caracterizá-la como produto de uma “perversa distorção da educação brasileira”, sugere que tal concepção seja substituída pela de “progresso e desenvolvimento da aprendizagem”.
Tal foi a importância atribuída à avaliação que uma indicação oficial tratou exclusivamente do tema, a CEE no. 22/97 (1997b). Conforme este documento, a avaliação deveria ser “instrumento-guia” para sinalizar “as heterogeneidades do desenvolvimento de habilidades e conhecimentos entre os alunos, orientando-os e aos seus professores quanto ao perfil de sua progressão pelos anos escolares”. Assim, não se limitaria à aprendizagem dos alunos, incluindo, agora, a própria instituição escolar. Com isso, deixaria de ser mecanismo de corte, passando a focalizar os efeitos da ação do professor e a formação do aluno. Por fim, ela deveria valorizar “qualquer indício que revele o desenvolvimento dos alunos, sob qualquer ângulo” (p. 254).
A Progressão Continuada viria, assim, romper com “eventuais resistências ao que hoje é cientificamente comprovado: que toda criança é capaz de aprender, se lhe forem oferecidas condições de tempo e de recursos para que exercite suas competências ao interagir com o conhecimento” (p. 256, itálicos inseridos). Embora a proposição fosse de que todos concluíssem o ensino fundamental em oito anos, o Conselho reconhece que haveria alunos que demorariam ‘mais um ou dois anos’ para concluí-lo. Pede atenção, no entanto, para que na passagem entre os ciclos não se instalasse “novo ‘gargalo’ ou ponto de exclusão”, declarando, ainda, que “a extensão em anos para este percurso para número significativo de alunos, ou a evasão decorrente da não progressão, em um sistema ou em uma escola, estarão sinalizando claramente disfunções institucionais sérias a serem verificadas” (p. 255, itálicos inseridos).
Presente nos pareceres do Conselho é o reconhecimento de que se trata de uma “mudança radical e profunda”, pois “em lugar de procurar os culpados da não aprendizagem nos próprios alunos, ou em suas famílias, ou nos professores, define-se uma via de solução que não seja pessoal, mas sim institucional” (1997a, p. 152).
Assim, prevê uma atitude docente contrária, indicando a ausência de consenso em torno da decisão oficial:

“É importante registrar que a mudança pretendida conta com a adesão e o apoio de amplos setores da comunidade educacional. Não há que se iludir, entretanto, de que não haverá resistência sob a alegação apressada e sem fundamento de que se estará implantando a promoção automática, ou a abolição da reprovação, com conseqüente rebaixamento da qualidade de ensino” (p. 153).

Sugere, no entanto, que a resistência poderia ser evitada se fosse garantido, ainda, minimizar desconhecimentos e distorções em relação ao projeto.
Dentre as distorções, destaca-se a distinção entre Promoção Automática (“sugestiva de menor investimento no ensino”) e Progressão Continuada (“mecanismo inteligente e eficaz de ajustar a realidade do fato pedagógico à realidade dos alunos”). No caso desta última, “todo esforço possível e todos os recursos disponíveis devem ser providos pela escola e pelo sistema para levar o aluno ao aproveitamento das atividades escolares para seu desenvolvimento cognitivo e social e, por conseqüência, ao progresso” (p. 254-5).
A Progressão Continuada no dia-a-dia da escola
Considerando a complexidade envolvida na construção de políticas públicas na vida escolar, aproximamo-nos de uma escola situada na capital paulista, a fim de realizar uma pesquisa de caráter qualitativo (André & Lüdke, 1986; Ezpeleta & Rockwell, 1986), objetivando conhecer como professores da rede pública estadual paulista compreendem tal política, que dificuldades enfrentam em sua implementação e como lidam com as mudanças no dia-a-dia escolar. Durante um semestre, convivemos com um grupo de professores participando das reuniões semanais de HTPC (Horário de Trabalho Pedagógico Coletivo). O trabalho de campo desenvolveu-se de forma intensa, com atividades que englobaram redações individuais e discussões coletivas nos denominados “grupos reflexivos”2.
A constituição do grupo, procedimento central na pesquisa, deu-se a partir do contato com os professores, ou seja, foi fruto da relação estabelecida entre pesquisadora, grupo pesquisado e tema de pesquisa, sendo construído coletivamente. Participaram do grupo em torno de oito docentes pertencentes ao Ciclo II (de 5ª até 8ª Séries) e Ensino Médio, juntamente com a coordenadora pedagógica.
Iniciamos a aproximação com os professores, solicitando que escrevessem uma redação sobre a Progressão Continuada3. As redações focalizavam o entendimento acerca desta política educacional, a prática em sala de aula e considerações sobre o trabalho docente. No contexto de sua realização, os professores constantemente conversavam sobre o tema, quando acentuavam a falta de espaços coletivos de debate em torno dessa questão.
Ao analisarmos as redações, verificamos o forte tom de desabafo e angústia dos professores, observado no momento mesmo de sua realização. Seu conteúdo ainda revelava um desconhecimento do discurso oficial bem como manifestava o sentimento de isolamento no trabalho docente no contexto de implantação desta política.
Considerando essas constatações, propôs-se aos professores um espaço grupal que pudesse pôr em comum suas expectativas e dúvidas com relação à Progressão Continuada. As discussões focalizaram a leitura coletiva do Parecer CEE-08/1997 e de documentos trazidos pelos professores, especialmente redações de alunos e artigos de jornal e revista. Tais discussões foram intermeadas com relatos do contexto escolar.
A análise que se segue apresenta a perspectiva dos educadores respeitando as diferenças entre os dois momentos da pesquisa de campo: redações individuais e discussão grupal.
Primeiras aproximações dos professores com a temática da Progressão Continuada no âmbito desta pesquisa
Inicialmente, apresentaremos os elementos representativos da compreensão de professores acerca da Progressão Continuada presentes nas redações individuais que consistiram na primeira aproximação da pesquisadora com os professores. Tal análise foi dividida em três eixos: o que entendem por Progressão Continuada; como ela acontece na salade- aula e dificuldades encontradas em sua implantação.
Como educadores compreendem a Progressão Continuada
Apesar de algumas redações aproximarem-se do discurso oficial, a maioria diferia significativamente dele, demonstrando haver desconhecimento dos professores em relação ao projeto oficial ou ainda um distanciamento entre o discurso oficial e a Progressão Continuada construída nas escolas. Esse desconhecimento, em princípio, gerava constrangimento nos professores ao serem convidados a se manifestar.
Constatamos que a discrepância entre o discurso oficial e a concepção dos professores é mais forte na identificação da progressão continuada com a promoção automática, como é percebido nos seguintes trechos:

“No meu entender, significa promoção automática”. “No meu ponto de vista é a forma de promover um aluno de forma automática, retendo somente em situações específicas. Ex: faltas”. “... sistema implantado para o avanço dos discentes aos ciclos seguintes. Para isso é dividido em ciclos, há avanços anuais”. “Com a Progressão Continuada, existe uma alteração relativa à aprovação por séries e passa a ocorrer uma aprovação por ciclo”.

De maneira geral, os professores participantes vivem a Progressão Continuada e pouco conhecem a seu respeito, reduzindo-a a dimensões referentes à promoção automática dos alunos. As redações demonstram a necessidade da ampliação de informações bem como da articulação do discurso oficial com a realidade escolar.
Como a Progressão Continuada acontece na sala de aula
Os professores indicaram que houve mudanças concretas no dia-a-dia escolar com a Progressão Continuada, mencionando, sobretudo, a avaliação. De maneira geral, a escola nesse novo regime é vista negativamente, suas críticas recaindo principalmente sobre a forma de implantação, bem como sobre as repercussões no alunado e na finalidade da escola.
Em relação à implementação, os professores consideram que houve pouca participação dos diversos segmentos da escola na discussão e nas estratégias dessa implementação, como podemos observar nos excertos das redações a seguir:

“Sinto-me desorientada. Simplesmente muda-se o método, mas não se o ensina aos professores! Parece-me que esse projeto foi simplesmente ‘jogado’ nas escolas e me sinto uma marionete que faz o que mandam e que deixa de agir por suas próprias convicções, até certo ponto, é claro”.
“Nem mesmo a família estava preparada para uma mudança tão radical. Essa progressão seria válida se a criança recebesse orientação da importância de aprender para ter um futuro melhor e não apenas para ser aprovada”.

Além disso, mencionam a falta de apoio à escola e aos docentes para tornar a política bem sucedida. Segundo uma professora, “precisaria ter vários respaldos para auxiliar o professor em suas dúvidas e com aqueles alunos que não estão interessados ou têm dificuldades”.
Outro aspecto centra-se na mudança no processo de avaliação. Para os professores, a escola está, historicamente, centrada na nota enquanto instrumento de pressão para o estudo e a ausência desta produziria diminuição do aprendizado. A política ainda é criticada por implicar em menor cobrança sobre o aluno, o que repercutiria na falta de dedicação à escola.

“Não há necessidade de nenhuma cobrança (notas, provas etc.), sendo que o aluno deve por si só se interessar pelo que está sendo ensinado. Este método, embora muito bom na teoria, na prática não funciona, pois ninguém se esforça e se dedica a nada se não houver cobrança, disciplina e respeito”.

Nas redações, as principais repercussões da Progressão Continuada focalizam o comportamento e aprendizado dos alunos. Segundo escreveram, houve aumento da indisciplina e da falta de interesse pelos conteúdos, representados no não-cumprimento das tarefas pelos alunos, tendo em vista a ausência de mecanismos de cobrança por parte do professor. Os trechos abaixo ilustram tais questões:

“A última coisa que eles querem é estudar, aprender, prestar atenção às explicações, participar das atividades e melhorar seus conhecimentos. O que lhes interessa mesmo é formar grupinhos, se divertir fazendo todos os tipos de bagunça e, melhor de tudo, ver o desespero do professor tentando inutilmente despertar o interesse e manter a disciplina em sala”.
“Há um fenômeno cada vez mais nítido, infelizmente, e mais constante: é a apatia; jovens que deveriam estar animados e com força, apenas comparecem à escola em busca da presença (o que é mais cobrado), mas sem vontade alguma de qualquer esforço. Passa a impressão, esse fenômeno, de que os alunos estão acostumando a ganhar tudo de maneira fácil”.
“Os alunos não compreenderam o que é essa progressão, e, com isso, se acomodaram, não participando das aulas, não executando as tarefas propostas, pois, na opinião deles, participando ou não das aulas, com certeza irão para série seguinte. Por estes motivos, as salas estão ficando, a cada dia que passa, mais indisciplinadas”.

Na perspectiva dos professores, a ‘promoção automática’ implica na perda de valor do saber e do aprender. Assim, os alunos acabam considerando a escola mais como espaço de lazer do que de produção de conhecimentos. A esse respeito dizem:

“Não há, por parte do aluno, nenhum compromisso com a aprendizagem. A escola tornou-se lugar de encontros e lazer”. “Nesse parâmetro, o aluno vem na escola apenas para rever os amigos, brincar, conversar em classe, além de não respeitar o professor que fica ministrando aula para mais ou menos 10% da classe”.

Os professores ressaltam uma mudança na finalidade da escola, afastando-se de seu papel de socialização do conhecimento historicamente acumulado (identificado com a cobrança advinda da nota) e assumindo primordialmente dimensões de convivência à medida que os instrumentos de avaliação se flexibilizaram.
Dificuldades que os professores enfrentam com a Progressão Continuada
Se os professores afirmam que o aluno só vai à escola para usufruir um espaço de socialização, o trabalho docente, em contrapartida, é visto com desmotivação, gerando um círculo vicioso na relação professor/aluno. Como conseqüência da menor cobrança sobre o aluno, comparece o aumento da exigência sobre o professor:

“... fica cada dia mais difícil para o professor aplicar os conteúdos, sendo obrigado a criar vários métodos e mesmo assim não obtendo resultado. Cada dia fica mais difícil transmitir o que sabemos e é necessário para o aluno”.

Várias redações diziam que o aumento na dedicação docente parecia em vão, pois o rendimento dos alunos caiu e os problemas disciplinares aumentaram. Assim, falavam em queda no rendimento do próprio trabalho, visto como desgastante:

“...cada dia que passa está sendo mais difícil conseguir resultados bons e satisfatórios. Por mais que eu planeje aulas e atividades diferentes para despertar o interesse do aluno, parece que menos estou conseguindo, ou seja, os resultados estão cada vez mais insatisfatórios”.

Ao escrever sobre a docência em tempos de Progressão Continuada, muitos professores focalizaram as queixas aos alunos, vistos, em sua maioria, negativamente:

“No meu trabalho em sala de aula, as condições de aproveitamento e disciplina pioraram consideravelmente, onde os grandes prejudicados são os alunos que vêm à escola em busca do saber”.

Ao descreverem o trabalho nessa política como sendo maior e mais árduo, uma vez que enfrentam dificuldades para torná-lo bem sucedido (estas quase sempre colocadas nos alunos), os professores explicitaram algumas de suas angústias. Havia forte sentimento de desânimo e de desvalorização profissional: “Depois da Progressão Continuada, sinto que o meu trabalho perdeu o valor que tinha tempos atrás”.
Além disso, muitos diziam estar perdidos quanto ao próprio papel, uma vez que não encontravam estratégias bem sucedidas para ensinar os alunos. Consideravam que o sentido da docência estava atrapalhado, confuso, bagunçado. Uma professora disse sentir-se “correndo atrás de nota para os alunos”, que “perderam, em parte, essa preocupação”. Tal estrutura teria mesmo abalado sua vontade de ensinar:

“...outra mudança seria na minha vontade, no meu entusiasmo; sinto-me desanimada um tanto, porque o trabalho do professor está cada vez mais complicado, ficando as nossas funções ‘bagunçadas’”.

Se o trabalho é vivido como luta diária para vencer inúmeras dificuldades, houve quem falasse em desistência como ‘estratégia de sobrevivência’ profissional4:

“Como conseqüência, tenho procurado me dedicar inteiramente àqueles que realmente querem aprender e têm consciência de que é muito importante o estudo e a cultura. Quanto aos outros, espero sinceramente que algum dia mude de idéia e se tornem mais responsáveis e gratos àqueles que os tentam ajudar”.

Apesar dessas dificuldades, há professores que pensam diferentemente, falando do próprio trabalho como persistência e militância:

“Mesmo assim não desisto, quero lutar sempre, pois tenho certeza que mesmo não atingindo 100% dos meus alunos, pelo menos 10% consigo atingir e isto faz com que eu continue lutando para um dia chegar aos 100%”.

A partir de alguns elementos das redações, observamos que muitas questões reproduzem situações ou sentimentos presentes no início da implantação do Ciclo Básico. As temáticas da pouca participação docente na implementação desta política bem como dos critérios de promoção retornam aos discursos docentes, acrescidas das conseqüências nefastas tanto para professores quanto para alunos do pouco enfrentamento destas questões no dia-adia escolar.
Para um professor, uma dessas conseqüências estaria nas dificuldades que esta geração vai enfrentar por ser alijada do acesso ao conhecimento no processo de escolarização. Com isso, ele reitera o papel da escola na formação humana e nas condições de vida em uma sociedade de classes. Esta questão é abordada com tristeza e preocupação em sua redação e conclui afirmando: “Eles certamente irão aumentar as estatísticas dos desempregados”.
Ao término de cada redação, os professores manifestaram a intenção de discutir com a pesquisadora a atual política educacional, solicitando um aprofundamento no conhecimento da legislação. Esse interesse foi, então, canalizado para a criação de um espaço grupal de discussão aproveitando o Horário de Trabalho Pedagógico Coletivo, instituído semanalmente.
Pensando a Progressão Continuada coletivamente no pequeno grupo
As discussões em pequenos grupos tiveram como objetivo problematizar os discursos produzidos nas redações a fim de melhor compreender as nuances da implementação da Progressão Continuada tendo como ponto de partida, a leitura coletiva do Parecer do Conselho. Sua relevância foi ratificada pela intensa participação dos docentes que traziam jornais, revistas e material de alunos para contribuir.
A análise a seguir centra-se em dois eixos: a implantação e as intenções oficiais, e relatos de experiências do novo contexto escolar.
A implantação da Progressão Continuada e as intenções oficiais
A partir da constatação de que os docentes pouco sabiam sobre o conteúdo oficial desta política, da qual são os principais protagonistas, deu-se início à leitura do documento oficial. À medida que as discussões grupais avançavam, os professores apresentavam uma avaliação positiva da proposta governamental, embora sempre acrescida de críticas, centradas sobretudo na forma como ela foi implantada.
Para uma professora, a Progressão Continuada possuía aspectos pedagógicos interessantes; no entanto, queixava-se da forma contraditória de implantação adotada pelo estado: embora a lei enfatizasse a importância da ampla discussão, tal discussão de fato não tinha ocorrido. Outro professor também argumentou nesse sentido, contraponto a implantação “autoritária” com a presença constante do termo “democracia” no projeto de lei: “o sentido de democracia é restrito”.
Muitos professores destacaram a inexistência de esclarecimentos dos aspectos político-pedagógicos envolvidos nessa organização escolar. A pequena ou inexistente preparação provocou neles um sentimento de que a política foi imposta e sem a devida estrutura, como se nota na seguinte fala: “Foi jogado, planejado no papel e só. Até daria certo se houvesse preparação”.
Talvez justamente por apostarem na sua viabilidade, os professores vislumbravam outras possibilidades de instituir essa política, mais cuidadas e respeitosas com aqueles que seriam seus agentes: escola, professores, alunos e famílias. Preocupavam-se, ainda, com o caráter pedagógico do projeto pensando em formas de garantir a qualidade do ensino no processo de implantação.
Para uma professora, inicialmente seria necessário preparar a escola, referindo-se ao espaço físico e à orientação dos agentes escolares. Além disso, entendia que uma mudança desse porte necessitava de tempo, e portanto não poderia ter sido implementada em toda rede de uma única vez. Ao contrário, deveriam tê-la instituído gradativamente: inicialmente na primeira série, acrescentando uma série a cada ano, até atingir a 8a (depois, portanto, de oito anos). Para ela, a implantação ‘continuada’ (nome usado em alusão à política) possibilitaria o maior acompanhamento dos alunos, especialmente porque eles teriam toda a trajetória escolar no interior dessa lógica.
A partir da leitura do parecer oficial, a compreensão desta política foi sendo ampliada, ao mesmo tempo em que confrontada com a realidade escolar. Uma das tônicas da discussão era a idéia de que “o projeto é lindo no papel”, “a intenção podia até ser boa, mas a realidade é outra”. Assim, o texto oficial, quando colocado frente a frente com o discurso docente, parecia não corresponder à realidade escolar: “a lei é muito bonita, mas não dá, porque estamos falando de alunos que não sabem nada”.
Convivendo com essa visão, havia outra, bastante marcante, que a contradizia: era a concepção de que o projeto “não é tão lindo no papel”. Ou seja, críticas ao projeto sempre compareciam retirando o brilho do mesmo. Dentre as críticas, uma bastante enfatizada refere-se à questão econômica, considerada por diferentes docentes como “sentido oculto” da política educacional.
Quando o documento oficial explicitou essa questão, os comentários generalizaram-se. Um professor disse que o objetivo “não parecia ser resolver o problema da reprovação, mas eliminá-lo”. Para outra, nem sempre a inteção é boa: “A intenção é tirar os repetentes da escola e diminuir a evasão para receber verbas do exterior”. Outro professor, destacando que para o Estado “reprovação é desperdício”, emendou que não havia preocupação com a formação dos alunos: “É conversa para boi dormir. É para inglês ver... Ou melhor, para americano ver, porque quem paga é o BIRD, são os americanos”. Uma professora foi contundente: “Ah, bom! É mais barato... ‘Vocês reprovam muito, como querem ganhar bem?’. Então, o negócio é aprovar todo mundo, para ganhar melhor”. Ironizou, assim, o trecho que dizia que com a Progressão Continuada, o salário docente poderia aumentar, pois “não sentira tal aumento salarial”.
Outras temáticas do documento foram discutidas pelos professores no decorrer da leitura grupal. Aspectos da prática docente, alterados no novo contexto, foram abordados tanto em seus pontos positivos quanto negativos, de forma a re-significar a compreensão da Progressão Continuada. Temas como reprovação, avaliação, reforço, freqüência, rendimento e comportamento dos alunos e trabalho docente foram analisados pelo grupo que teceu críticas à própria prática e ao mesmo tempo questionou os limites da atual política.
Como a política de Progressão Continuada acontece na sala de aula
Um aspecto amplamente discutido no grupo foi reprovação, quando os professores não apenas relataram como ela se dava antes da Progressão Continuada, mas também comentaram como ela vinha funcionando no interior do novo regime.
De maneira geral, eles concordavam que antes, os índices de reprovação eram altos, e que algo deveria ser feito para alterar a situação. Para uma professora, não havia sentido em reprovar por “meio ponto na média”. Outra professora afirmou que “tinha alunos há cinco anos na 5a série”, e se era consensual que a retenção precisava ser repensada e transformada, a solução adotada pelo Estado passava longe do consenso. As discussões tenderam para a opinião segundo a qual a Progressão Continuada substituiu “uma distorção por outra”, ou seja, para mudar o alto índice de reprovações, eliminou-se a possibilidade de o professor reter seus alunos. A frase “da pedagogia da repetência à pedagogia da enganação” foi uníssona. Para os professores, a exclusão no interior da escola permaneceu com a Progressão Continuada, porém de maneira mais sutil e por isso agravada.
Atrelada à discussão sobre reprovação vinha a queixa acerca da “promoção automática”. Nas redações, os termos progressão, promoção automática, continuada assumiram diversas combinações: “progressão automática”, “promoção continuada”, “promoção automática”, a oficial “progressão continuada”. Estas combinações não são apenas possibilidades semânticas, mas revelam a pouca clareza que se tem, ou a pouca diferença que se vê entre tais conceitos.
Todos os professores falavam, com angústia, da pressão vivida para aprovar “a qualquer custo”. Uma professora relatou que a retenção estava sendo coibida antes mesmo de instituir-se a Progressão Continuada: “Antes, a gente era pressionado a dar um jeitinho de ver o progresso do aluno. Então, para disfarçar, não ficar tão forçado, criaram a Progressão Continuada”.
Quando o debate girou em torno de alunos defasados que, no interior dos ciclos, passaram a serem aprovados compulsoriamente, uma professora ressaltou que não se tratava de “aprendizagem num passe de mágica”, mas apenas de novos números educacionais. Para outra professora, alguns alunos, apesar de oficialmente aprovados, não tinham, na prática, condições de acompanhar suas turmas: “é isso que provoca a exclusão”. Alguns professores apontaram que esta política educacional centra-se mais no intento de agilizar a passagem do aluno pela escola e não de garantir a permanência e aprendizagem. A nivelação pela faixa etária se sobrepõe a outros critérios.
Diante deste contexto, a avaliação torna-se tema central. Um professor destacou que a política tinha como centro a mudança no processo de avaliação do aluno, portanto, este precisaria ser bem cuidado, caso contrário, a política tenderia ao fracasso. Eles concordavam que a avaliação precisava ser repensada, pois apenas uma prova não avalia plenamente o aproveitamento escolar: “às vezes o aluno não está bem e vai mal”. Porém, entre a necessidade de repensar a avaliação e a experiência concreta na Progressão Continuada havia dissenso: “a avaliação é só para termos certeza de que o aluno não aprendeu nada, porque a gente não pode retê-lo”.
Muitos professores relataram ter mudado sua forma de avaliar os alunos. Tal mudança, no entanto, era vivida de maneira angustiada. Um professor afirmou: “Eu anoto as atividades que os alunos fazem em classe, comportamento, se atrapalha ou não; realizo avaliações com e sem consulta. Mas tem aluno que não dá.... E depois a gente vai passá-lo...”. Outra professora, concordando, disse: “Eu já caí na real. Nesse bimestre, só prova com consulta”.
O reforço escolar também foi discutido, tanto em seu caráter abstrato quanto na experiência concreta vivida no novo regime. Para uma professora, “os alunos tinham que ter aulas extras para acompanhar o ritmo da série certa”, o que não estava acontecendo. Outra professora concordava com a necessidade de reforço, mas tinha críticas à forma como ele estava sendo realizado: “o reforço não é adequado; a recuperação de janeiro está errada. Se os alunos tivessem mesmo que assistir aula nas férias, não pensariam duas vezes”.
Na escola da Progressão Continuada, a avaliação e o reforço foram modificados, não possuindo papel classificatório. A possibilidade de reter os alunos, então, centra-se no controle da freqüência que passou a assumir o papel que antes competia à avaliação. A punição e a premiação permanecem nas escolas, mas agora envolvem a presença. De fato, muitos mencionaram a freqüência como única forma de controle da classe: “o que conta mesmo é a presença, ou melhor, a falta”.
Tema presente em vários encontros foi a repercussão da ausência de reprovação no rendimento e no comportamento dos alunos. Os professores, de modo geral, enfatizaram que depois dos ciclos, a indisciplina aumentou, pois o aluno sabe que não será mais punido. Vários professores relataram que os próprios alunos pediam limites claros. Enraizada entre os professores estava a crença de que “o ser humano só funciona na mentalidade da cobrança”.
Ligado a esta questão encontra-se o (des)valor do conhecimento. De maneira geral, os professores entendiam que a queda do valor do conhecimento era produzida por diversos fatores interligados: a promoção automática dos alunos, a escolarização centrada apenas na freqüência e a avaliação assumindo papel de constatação da situação escolar, e não de instrumento decisivo do futuro do aluno. No depoimento dos professores, a facilidade para ‘passar de ano’ teria gerado desestímulo inclusive em alunos que, antes, eram esforçados. Tais alunos teriam perdido a vontade de aprender, sentindo-se injustiçados, pois não havia conseqüências para os que não se esforçassem. Para eles, a conseqüência de uma política na qual “os maus alunos são valorizados e os bons alunos, desconsiderados” era o empobrecimento da educação.
Além das queixas acerca dos alunos desinteressados e da angústia pela desvalorização dos esforçados, havia ainda uma modalidade de aluno que suscitava outro tipo de angústia. Trata-se daqueles que, muito embora avançassem pelos anos escolares, traziam consigo uma defasagem entre a série em que se encontravam e o conhecimento que levavam consigo. Para ilustrar a situação, os professores traziam trabalhos de alunos, dentre os quais, a seguinte redação de uma aluna de 7a série:

“O natal e uma selebrasão do nacimento de jesus que ser dounor um feriado que doda a familia se reune mais os amigos e vais uma sei de natal que damos presendes e gaiamos presendes istoramos japaem damos pregamo conversamos. E adoro o natal e muito bom o natal selepamas o namento de jesus e fasemos festas. Mais dem mais coisas soutamos, asedemos a missa. E muito bom. Mais que eu me esquesa dambem dem o vamoso papai noel um velhilho que trais presente para todas griansas”.

Essa redação passou pelas mãos dos professores, produzindo comentários carregados de choque e desolação. Uma professora exclamou incisivamente: “no momento em que a escolaridade for chamada, ela vai se sentir uma inútil e vai-se perguntar ‘o que eu tenho?’. Essa é a verdadeira discriminação”.
Finalmente, foi retomado no âmbito do grupo um aspecto presente nas redações: a queixa em relação ao próprio trabalho. Se muitos alunos não conseguiam aprender, e a maioria estava desestimulada em relação à escola, também os professores sentiam-se sem estímulo. A relação desestímulo discente-desestímulo docente parecia ter-se tornado um círculo vicioso difícil de quebrar.
A coordenadora pedagógica, algumas vezes, defendeu que eles deveriam pensar em uma nova forma de trabalho com os alunos que mostrasse a importância de aprender, dando-lhes uma perspectiva de futuro. Ao mesmo tempo, dizia não saber exatamente como fazer isso. De modo geral, não viam outra maneira que a nota, a reprovação, a cobrança. Sentiam-se desorientados.
Alguns professores disseram que, recebendo um salário baixo (desestimulante) e não encontrando, na sala de aula, estímulos para o trabalho não preparavam mais as aulas com cuidado, também se despreocupando dos conteúdos. A vontade de ensinar parecia abalada. Havia, para eles, uma inversão de valores vivida com sofrimento.
Quando pensavam acerca do que estaria produzindo desestímulo, demonstravam-se confusos, apresentando razões ora intrapsíquicas, ora de ordem política e institucional. Uma professora relatou que seu dia-a-dia profissional estava difícil, pois não estava mais empolgada como antes. Embora destacasse que a falta de interesse dos alunos a “contagiava”, por vezes dizia não saber o que a fazia sentir-se tão desestimulada (se era algum problema pessoal ou mais geral). Tal dúvida era vivida por ela com estranheza, pois desde que começara a dar aula, “nunca havia sido como agora”. Em um dos encontros, essa mesma professora desabafou: “estou deixando de ser uma professora digna. Não importa o que eu faça, o aluno passa. Não vale nada o nosso trabalho”. Outra professora também foi contundente ao enfatizar que o sentimento que mais a tocava, quando em relação ao trabalho, era a “vergonha“. Sentia, ainda, que o professor, cada vez mais, era peça “dispensável” da escola.

Considerações Finais
Neste artigo, destacamos que a Progressão Continuada deve ser entendida como estratégia de enfrentamento dos altos índices de reprovação e evasão escolares que vem sendo gestada historicamente no estado de São Paulo, tendo como importante marco a implantação do Ciclo Básico.
Tal proposta tomou consistência ao longo das duas últimas décadas, sendo atualmente adotada em várias redes públicas de ensino brasileiras (Silva, 1997). Análises recentes a respeito da organização do ensino em ciclos em diferentes estados e municípios do Brasil (Mainardes, 1998; Barreto & Mitrulis, 2001; Barreto & Sousa, 2004) permite-nos verificar que, embora com princípios comuns, há diferenças significativas, especialmente quanto aos motivos da implantação, à duração de cada ciclo, às formas de avaliação e à maneira de implementá-los. Essa diversidade é fruto de diferentes gestões político-administrativas que ora se aproximam de práticas mais democráticas, ora de práticas centralizadas nos gestores dessas políticas. Tais diferenças têm repercussões nas concepções e práticas de professores na sala de aula imprimindo marcas no maior ou menor êxito dessas reformas educacionais.
Maldonado (2002) chama a atenção para o fato de que os professores, em sua trajetória, vão construindo saberes tanto em relação à prática docente como também em relação aos programas de governo, implantados sucessivamente no sistema escolar. Nesse sentido, suas análises revelam dimensões importantes que não podem ser desconsideradas na constituição de políticas públicas em educação.
Por esse motivo, procuramos formas de aproximação com educadores visando apreender como compreendem e vivenciam a Progressão Continuada. Nesta pesquisa, constituímos estratégias de aproximação com professores objetivando aprofundar as concepções que possuem a respeito desta nova política educacional, o que foi feito por meio de escrita de redações e discussão em pequenos grupos de professores de uma escola pública estadual paulista.
Com vistas a sintetizar alguns aspectos presentes na pesquisa, consideramos que: a) os docentes, de maneira geral, desconhecem a proposta oficial da progressão continuada, tendo, vários deles afirmado que, por intermédio do trabalho em grupo com a pesquisadora, eles tiveram o primeiro contato com os documentos oficiais; b) ao falarem dessa proposta, muitos a denominavam de “promoção automática”, considerando que, embora esta prometa enfrentar a questão da reprovação, acabou por eliminá-la por decreto; c) ao conhecerem os documentos oficiais, analisaram a Progressão Continuada sob duas vertentes: a primeira é que, se esta proposta políticopedagógica é interessante, por reduzir a repetência, a contrapartida é exigir que se repense toda a organização escolar; a outra vertente é que tal programa de governo não enfrenta ou não explicita como enfrentar a cronicidade de problemas presentes na escola pública, especialmente no que se refere aos baixos salários docentes, à desmotivação de alunos e professores e às más condições de trabalho. Com isso, a Progressão Continuada apenas aprofunda a desigualdade social, por não dar melhores condições aos alunos que nela ingressam em uma situação já socialmente desigual.
O desconhecimento da proposta oficial por parte dos professores, visível desde nosso primeiro contato com a escola, está presente em outros estudos do tema (Freitas, 2000; Guimarães, 2001; Arcas, 2003; Bertagna, 2003). Freitas (Op. Cit.) também destaca a gravidade da situação ao pontuar que o sistema de ensino paulista tem sofrido com a avalanche de políticas educacionais presentes na escola, o que vem no sentido muito mais de provocar rupturas e desarticulações do que de contribuir com a superação de seus problemas históricos.
Assim, tal desconhecimento parece ser revelador da ausência de possibilidade de participação dos professores na construção dessa política educacional, constatação que se contrapõe à suposição de desinteresse docente a mudanças de grande porte. Assim, a oportunidade de ter acesso a documentos oficiais, bem como de discutir a proposta governamental à luz de suas práticas educativas, fez sentido aos professores acompanhados na presente pesquisa, revelando que é possível fazer na escola uma discussão da lei que não seja burocrática.
Para tanto, é fundamental que aqueles que se proponham a fazer uma discussão como essa, entendam as críticas docentes não como mera “resistência” à intenção proclamada oficialmente, mas como parte de sua compreensão frente à complexidade da realidade escolar. Ora, a discussão sobre a Progressão Continuada no grupo reflexivo aponta que os professores estavam sensíveis à necessidade de mudança da escola, tendo em vista sua finalidade formadora. Assim, havia consenso em torno da importância de se repensar o processo avaliativo bem como de elaborar estratégias para enfrentar o alto índice de reprovação e envolver os alunos em uma aprendizagem significativa, princípios defendidos também pelo discurso oficial5.
Mas se os professores e o poder público concordavam com a necessidade de enfrentamento dos altos índices de reprovação e evasão existentes na escola pública, havia entre eles pontos de dissenso. Especial destaque deve ser dado à discordância quanto à forma de elaboração e implantação deste projeto educacional, na qual os professores pouco puderam participar. Tal crítica retoma questionamentos feitos pela rede escolar relativos à implantação do Ciclo Básico acrescidos de uma dimensão presente na década de 80, mas que não se realizou ao final dos anos 90, a saber: a existência de programas de formação sobre os princípios da proposta no momento de sua implantação. Criticavam, também, a ênfase na motivação econômica e não pedagógica dos projetos pedagógicos.
A partir da análise das concepções dos professores, pode-se afirmar que criticar a Progressão Continuada não é ser favorável à reprovação e à exclusão, mas ter em vista que o acesso e a permanência do aluno na escola não podem prescindir da qualidade do ensino oferecido. Muitas de suas críticas recaíam na perda progressiva da apropriação do conhecimento pelos alunos. Questionavam que a escola hoje acaba cumprindo muito mais uma função socializadora do que de ensino/aprendizagem.
No entanto, apesar da preocupação com a qualidade do ensino, permanece no discurso docente uma visão de que o aluno da escola pública tem poucas condições ou dificuldades de aprendizagem, o que contradiz, em essência, o propalado caráter democrático desse programa de governo. Se a progressão continuada foi bem sucedida no campo das estatísticas de reprovação, esta não superou a hegemonia da visão negativa quanto ao alunado, sendo apontada como um dos importantes fatores na produção da reprovação escolar ao menos desde a década de 1980 (Patto, 1990). Vale, portanto, destacar que se trata de uma visão presente não apenas no discurso dos professores, mas legitimada no próprio discurso oficial.
A essa visão pejorativa dos alunos, alia-se um processo de avaliação imposto pela proposta governamental, considerado pelos professores como permissivo, insuficiente e ineficiente. Isso tem repercussões práticas, desveladas na existência de alunos que, embora galguem os anos escolares mais altos, não têm condições de ler e interpretar um texto simples ou fazer as quatro operações matemáticas. Portanto, mesmo sendo proibida a reprovação, a exclusão na escola se manteve intocada.
Nesse sentido, podemos considerar que o sucesso de políticas educacionais do porte do regime de Progressão Continuada, ou seja, que visam mudanças “radicais e profundas”, depende da adesão de professores, que devem se engajar na sua construção diária no interior da escola. No entanto, cabe aos gestores que tenham o ideal de democratizar o ensino público, pensar em meios de democratizar a própria implementação de políticas públicas, aproximando-se do consenso de forma participativa, ampla e irrestrita. Caso contrário, seus projetos correm o risco permanente de serem transformados em mais um programa de governo, que mesmo bem intencionado, encontra-se à mercê dos desigínios de outros gestores.

Referências
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Endereço para correspondência
Marilene Proença Rebello de Souza
Av. Professor Mello Moraes, 1721.
Cidade Universitária
5508-900 São Paulo, SP
Recebido em: 14/12/2005
Revisado em: 09/07/2006
Aprovado em: 14/10/2006


Sobre os autores:
* Lygia de Sousa Viégas (lyoviegas@uol.com.br) é mestre em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano e doutoranda no Programa de Pós- Graduação em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo.
**Marilene Proença Rebello de Souza (mprdsouz@usp.br) é doutora em Psicologia e Professora do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo.
1 No Brasil, após longo período de ditadura militar, desencadeou-se lentamente o processo de ‘redemocratização’. Em 1982, o estado de São Paulo elegeu pelo voto direto seu governador, Franco Montoro. Ao assumir o governo, a equipe gestora da Secretaria da Educação convidou todos os integrantes da rede a discutir os problemas de ensino e os rumos da educação. A discussão, que serviria de subsídio à política educacional a ser implementada, deveria centrar-se em dois eixos: participação e democratização. A idéia era que, com a democratização do país, também a escola pública seria democratizada
2 Inspirado em Dechichi, 2001.
3 Inspiramo-nos na Tese de Freitas, 2000.
4 A “síndrome da desistência” ou “burnout” vem sendo estudada por Codo (1999)
5 Ao estudar a avaliação da aprendizagem no regime de Progressão Continuada, Arcas (2003) revela a existência dessa mesma situação na escola por ele pesquisada. Marilene Proença Rebello de Souza (mprdsouz@usp.br) é doutora em Psicologia e Professora do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo.

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EXCLUSÃO SOCIAL E EXCLUSÃO ESCOLAR

EXCLUSÃO SOCIAL E EXCLUSÃO ESCOLAR DA PERSPECTIVA DA EMOÇÃO
GUIMARÃES, Ana Archangelo - UNESP (Campus de Presidente Prudente)
GT: Ensino Fundamental /n.13
Agência Financiadora: Fapesp
1.Sobre a exclusão social
A exclusão escolar, foco desse estudo, deve ser abordada, entre outras coisas, através da problematização do conceito de exclusão social. No prefácio do livro de Xiberras (1993), Freund afirma que o conceito de exclusão social é recente, embora o processo por ele delimitado não o seja. A co-existência de pessoas com plenos direitos e de grupos com estatutos diferentes não pareceu ser uma questão no passado. Entretanto, atualmente, tem sido objeto de discussão, o que justifica a demanda pela formulação do conceito.
Na literatura internacional, muitos autores (Levitas (2000); Burchardt (2000); Costa (2000)) afirmam que a exclusão social foi primeiramente adotada pelo discurso e pela agenda das políticas sociais, passando, progressivamente a ser incorporada pelo discurso político. Apenas ganha relevância acadêmica quando sua popularidade acaba demandando seu entendimento e conceitualização.
Tradicionalmente encontrado em trabalhos franceses, o termo exclusão social se espalhou rapidamente por diversos países, com diferentes propósitos e significados. Ainda hoje, os teóricos concordam em como esse termo pode ser controverso.
Advoga-se aqui que esse debate acerca das concepções sobre exclusão social é relevante, especialmente quando levado em conta que políticas públicas vêm sendo formuladas a partir do que se entende por esse termo. Além disso, uma série de mobilizações políticas e sociais estão em curso ao redor do que o termo exclusão social evoca. Por mais problemático que seja, o esforço de conceitualização não deve, portanto, ser abandonado.
Para Burchardt (2000), o conceito de exclusão social foi originalmente pensado nos anos 70 pela via pragmática, como referência aos excluídos – aqueles que escapam à rede de proteção social. Castel (1990) afirma que a exclusão social foi considerada o mais extremo ponto do processo de marginalização, que se traduz no processo de ruptura do relacionamento entre indivíduo e sociedade, gerando uma compreensão ampla da exclusão como processo multidimensional e multifacetado.
Na tradição britânica, por outro lado, a ênfase recai sobre os aspectos distributivos, o que traz à tona a discussão sobre as diferenças entre o conceito de exclusão social e o de pobreza. De acordo com Levitas (2000), há nos documentos oficiais, no discurso político e nas tentativas de conceitualização da exclusão social na Grã-Bretanha três abordagens distintas e coexistentes. São elas: 1. O discurso redistributivo, no qual a exclusão é vista como consequência da pobreza; 2. O discurso da integração social, que associa exclusão à falta de trabalho pago; 3. E o discurso moral da sub-classe (moral underclass discourse), que tem como principal preocupação aquelas que são consideradas as causas morais e culturais da pobreza.
Evidentemente, algumas críticas são feitas a essas abordagens, como por exemplo o reducionismo presente na primeira; a exclusão dos trabalhadores mal remunerados e daqueles que trabalham excessivamente da segunda; e a recuperação da tradicional e preconceituosa idéia de ‘classe perigosa’, na terceira (Levitas, 2000).O que permanece frágil na maioria das formulações descritas acima é que por mais multidimensional e dinâmica que as concepções de exclusão social possam parecer, elas ainda são entendidas como resultado da falta de recursos, em outras palavras, como resultado da pobreza.
De acordo com Room (2000), a multidimensionalidade e dinamicidade seriam as duas principais características da exclusão social que a diferenciariam da pobreza. Entretanto, elas não seriam suficientes para eliminar essa relação de subordinação da primeira em relação à segunda.
Uma abordagem diferente é formulada por Xiberras (1993). Para ela, exclusão social pode ser tomada em três diferentes direções: 1. exclusão de categorias de população, como população negra ou população idosa, por exemplo; 2. exclusão de grupos resultante de outros processos de exclusão como, por exemplo, grupos raciais criados em decorrência de racismo; 3. ou ainda exclusão provocada por processos outros, não diretamente vinculados, como a exclusão decorrente de processos de modernização, que provocam o desemprego e a exclusão de um grupo do mercado de trabalho.
Isso significa que a exclusão social pode ser resultado da submissão de um indivíduo ou grupo à pobreza, mas pode também resultar de valores culturais que definem o que deve ser considerado benigno ou não. Idosos são excluídos não porque ser velho é intrinsecamente negativo ou originalmente relacionado à pobreza, mas por estar socialmente relacionado a valores culturais, sociais e morais que definem o que é bom ou mau em determinada sociedade. Portanto, exclusão parece estar sempre relacionada à diferença, podendo essa ser exigida (‘nós somos diferentes, nós somos melhores’), suportada (como a deficiência), ou imposta, como Xiberras aponta (1993). Como Room (2000) também atesta, há um componente relacional na exclusão social.
De acordo com Costa (2000), esse componente seria resultado do acesso que sujeitos e grupos são autorizados a ter com os sistemas sociais básicos – as comunidades, instituições, territórios aos quais pertencem e recursos econômicos. Dessa participação social, tais sujeitos estariam construindo algumas referências simbólicas que adicionariam a dimensão subjetiva ao conceito de exclusão social.
Como o processo de formulação do conceito de exclusão social está longe de ser encerrado, a solução pragmática para o debate tem sido uma concordância implícita no que se refere à diferença, mas também à utilidade dos conceitos em circulação.